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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

SÍNDROME DO X-FRÁGIL


A Síndrome de X Frágil, anteriormente denominada Síndrome de Martin-Bell, é uma condição genética que envolve mutações numa região específica do cromossoma X. É a forma hereditária mais comum de deficiência cognitiva no sexo masculino, com penetrância reduzida em mulheres. Os indivíduos afetados com esta condição podem apresentar traços físicos característicos com atraso de desenvolvimento, distúrbios emocionais e comportamentais, incluindo perturbações do espectro do autismo e diminuição da capacidade intelectual, que pode variar entre ligeira a muito grave.

O diagnóstico da síndrome de X Frágil


Até meados dos anos 90 não havia um teste preciso para o diagnóstico da SXF. O recurso à análise citogenética dos “sítios frágeis” não permitia, por exemplo, identificar os casos de portadores da pré-mutação nem da mutação completa, do sexo feminino. Assim, a análise citogenética não é utilizada como método de diagnóstico para a SXF, uma vez que não oferece sensibilidade nem especificidade adequadas. Após a identificação do gene FMR1 em 1991, foi possível desenvolver um teste de diagnóstico molecular que permite identificar 99% dos casos com SXF. A análise molecular do gene FMR1 é realizada numa amostra de sangue, podendo também ser efetuada noutros tecidos, como por exemplo, nas células de líquido amniótico e vilosidades coriónicas para o diagnóstico pré-natal. A realização do diagnóstico da SXF também é possível recorrendo à determinação da concentração da FMRP em diversos tecidos, como por exemplo a raiz de cabelo. A maioria dos laboratórios recorre a duas metodologias distintas para a análise molecular do gene FMR1 . Uma baseada na amplificação enzimática, reação de polimerização em cadeia - PCR28, para quantificar o número exato de repetições CGG em situações normais e pequenas pré-mutações. Esta técnica é rápida e pode realizar-se com pequenas quantidades de DNA. No entanto, e devido às características peculiares desta região, para a caracterização de alelos de maior tamanho, é necessário recorrer a condições especiais para conseguir amplifica-la com sucesso e de forma reprodutível. Têm vindo a ser desenvolvidas algumas alternativas, baseadas em PCR, para amplificar os alelos expandidos . A transição destas metodologias do plano investigacional para o diagnóstico representará um avanço para a rotina da análise do FMR1 e permitirá a sua aplicação em rastreios de larga escala. A outra tecnologia designa-se por Southern blot (apelidada com o nome do seu criador o Professor Sir Edwin Southern), e permite não só obter um valor aproximado do número das repetições qualquer que seja o seu tamanho, bem como determinar o estado de metilação do gene
FMR1 quando utilizada em simultâneo com uma endonuclease sensível à metilação. Assim, o diagnóstico da SXF deve ser realizado por Southern blot que, para além de caracterizar a mutação completa permite também identificar os casos de mosaicismo de tamanho e/ou de metilação.

Alguns aspectos observados na SXF:

a) Desenvolvimento Cognitivo e Linguagem


Um grande conjunto de estudos tem-se centrado na caracterização das crianças com SXF, tanto do ponto de vista do seu desenvolvimento como do seu comportamento. Essas investigações têm-se debruçado sobretudo sobre a identificação das características típicas da Síndrome, o seu fenótipo, e a forma como ocorre o processo de desenvolvimento dessas crianças e jovens, nomeadamente os aspetos cognitivos que, de entre todas, têm sido as características mais estudadas. Na SXF o défice intelectual é variável, podendo ir desde uma dificuldade ligeira de aprendizagem até défices graves a nível cognitivo. As mulheres com SXF não apresentam tanta incidência de um défice grave, que mostram que muitas mulheres com mutação completa têm deficiência intelectual, ou manifestam um funcionamento intelectual entre o borderline e o normal, podendo também apresentar dificuldades de aprendizagem, problemas de atenção, comportamentos de impulsividade e dificuldade de concentração. Esses estudos mostram também diferenças significativas entre os casos de pré-mutação e de mutação completa, apontando ainda para correlações significativas, negativas, entre a extensão da mutação e a capacidade cognitiva. Tais resultados apontam implicações nas decisões de planeamento educacional para os portadores de mutação completa que apresentam défices cognitivos específicos.

Lachiewicz, Gullian, Spiridigliozzi & Aylsworth (1987) mostraram que existe um declínio do QI com a idade e que este facto deve ser antecipadamente apresentado aos pais. Embora muitos indivíduos com SXF sejam capazes de manter os resultados escolares, a sua capacidade de aprendizagem diminui com idade e a sua compreensão torna-se cada vez mais lenta. Outros estudos demonstram também que não existem níveis mais elevados de processamento sequencial com o aumento da idade cronológica.

Um outro grupo de estudos tem abordado as dificuldades das crianças relativamente à fala, linguagem ou comunicação. Os défices cognitivos vão para além da capacidade de processamento e também envolvem dificuldades ao nível fono-articulatório, do raciocínio aritmético, da memória, da atenção e ao nível viso-espacial. A maioria das crianças com SXF não consegue produzir frases curtas antes dos 2 anos e meio de idade e a aquisição da linguagem tende a ser atrasada. Observam-se também frequentes alterações da fala, como ecolalia, perseveração, ritmo rápido e desordenado, volume alto, dificuldades na conexão semântica, elevada capacidade de imitação de sons e frases automáticas. As alterações mais comuns da fala, seguem um padrão chamado cluttering 1. A comunicação dos indivíduos com SXF chama a atenção pois apresentam uma capacidade verbal e de compreensão que pode ser elevada, mas mostram dificuldades na comunicação não-verbal, sendo determinante a ansiedade social, hipersensibilidade e os aspetos sensoriais. Em situações consideradas muito ansiógenas parecem existir maiores dificuldades ao nível da sintaxe e do discurso, e mesmo situações de mutismo. No caso de sexo feminino as dificuldades são menores, sendo o discurso pouco pautado por desconexões.

b) Aspetos Comportamentais


Outro considerável grupo de investigações tem-se debruçado sobre o aspeto comportamental da Síndrome. Alguns realçam a dimensão da hiperatividade e outros a ansiedade social. A agressividade encontrada em 50% dos adolescentes e adultos do sexo masculino com SXF é uma indicação importante, pois mostra alterações comportamentais significativas que, na sua maioria, fogem ao controlo do próprio. Estas manifestações de agressividade são frequentes quando o indivíduo se encontra mais ansioso ou reage a situações de frustração. Nestas alturas, os indivíduos com SXF têm sido descritos como defensivos e intolerantes, e a ação agressiva é, muitas vezes, contra si mesmos. Outros estudos mostram que estes comportamentos disruptivos podem estar associados a situações de stresse e ligados à hormona cortisol, que também se encontra associada à hiperatividade. Os comportamentos de autoagressão são ações sobre si mesmo, e variam consoante o género: no sexo masculino, o bater em si mesmo é o comportamento mais observado, sendo normalmente a cabeça a zona escolhida, assim como as mãos e braços, seguindo-se o esfregar de forma violenta e o arranhar-se. Este último é também o comportamento mais frequente no sexo feminino. Os comportamentos repetitivos e de autoagressão são mais elevados em indivíduos com SXF e autismo. Estudos de Hall, Lightbody & Reiss (2008), mostram também que existem comportamentos compulsivos frequentes nos indivíduos com SXF, principalmente para ordenação de objetos. A timidez é outra característica comum em indivíduos do sexo masculino com SXF e em mulheres com mutação completa. Das características comportamentais mais estudadas em indivíduos com SXF o défice de atenção e a hiperatividade são as mais significativas, podendo ser focalizadas numa tríade comportamental: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Esta tríade está muito mais presente nos indivíduos com SXF quando comparados com outros grupos, e não se verifica uma melhoria espontânea ao longo do tempo, enfatizando-se assim uma necessidade crítica de identificação precoce e de intervenção precoce. As crianças com SXF apresentam dificuldades na capacidade de planejar, pesquisar e mudar a atenção de um alvo para outro ou de um conceito para outro. Estes dados apontam para dificuldades ao nível da função executiva, memória de trabalho e competências viso-espaciais. Um dos principais problemas na componente da atenção prende-se com a dificuldade em alternar a atenção com funções inibidoras, caso da repetição de comportamentos.

c) SXF e Autismo


Muita investigação tem sido produzida acerca das características autisticas da SXF. A procura da relação entre o autismo e SXF começou com dois estudos, realizados por Brown (1982) e por Meryash, Szymanski & Gerald (1982), apontando ambos para uma co-morbilidade entre estas situações clínicas. A literatura mostra que esse foi o ponto de partida para estudos que se têm debruçado sobre a frequência com que os indivíduos com SXF apresentam também um diagnóstico de autismo e a frequência com que os indivíduos com autismo apresentam algum tipo de fenótipo de SXF. Os estudos subsequentes mostram resultados muito diversos, desde a não existência de relação até resultados que mostram uma relação de cerca de 47%. Nestes estudos, a maior parte das crianças com SXF, principalmente as de sexo masculino, terão exibido características semelhantes ao autismo
típico: atraso na linguagem, ecolalia e discurso perseverante, assim como contacto visual pobre, movimentos estereotipados e dificuldades nas interações sociais. Os indicadores precoces de autismo revelam-se na fixação visual prolongada nalguns objetos, uma latência acentuada para diferenciar a atenção visual, passividade marcada com diminuição dos níveis de atividade no primeiro ano de vida e dificuldade de controlar a atenção. A estes juntam-se ainda comportamentos sensoriais orientados, incluindo reatividade a estímulos visuais e auditivos. Alguns dos estudos evidenciaram que ter autismo e SXF teria um impacto mais severo sobre o desenvolvimento do que ter autismo ou SXF, isoladamente. Ao nível do comportamento social e da cognição, existem dificuldades tanto no autismo como no SXF. Verifica-se também maior número de comportamentos repetitivos e desafiadores, que apontam para um perfil único de vulnerabilidade para indivíduos com SXF e autismo. A literatura científica demonstra que pontos em comum no fenótipo cognitivo-comportamental da SXF e o autismo não implicam uma etiologia similar. A preferência visual para olhar diretamente para os olhos dos outros, em crianças pequenas com SXF é algo que não é típico do autismo. 

As crianças com SXF tendem a apresentar uma comunicação social relativamente boa, especialmente com os pais, e as crianças do sexo masculino, quando comparadas com outras com autismo, mostram ser mais sensíveis ao iniciar do olhar social. Compreender as crenças e as intenções dos outros, a fim de explicar o comportamento, tem sido extensivamente estudado no autismo, e é amplamente aceite que essas crianças têm um défice generalizado ao nível da teoria da mente. Em contraste, no SXF mais de 50% das crianças, sem autismo, foram capazes de ultrapassar uma tarefa “de primeira ordem” crença falsa (capacidade de compreender que as outras pessoas podem ter crenças falsas sobre o mundo), enquanto no autismo apenas um terço conseguiu compreender este fato. Em ambas as condições clínicas encontramos défices intelectuais, no entanto, eles diferem claramente em termos quantitativos e qualitativos. Quanto ao discurso e à linguagem, encontramos atrasos no desenvolvimento e expressão da linguagem, como ecolalia, padrões incomuns de discurso e escassa utilização de linguagem tanto em crianças com autismo, como em crianças com SXF. Contudo, também encontramos nas crianças SXF um discurso repetitivo e perseverante, erros tangenciais e repetitivos, que incluem a repetição de sons, palavras ou frases dentro de um discurso. Estas formas de produção de linguagem atípica não são consequência de atraso cognitivo ou de autismo diagnosticado, mas ficarão a dever-se sobretudo à ansiedade, principalmente ansiedade social, muito mais elevada nas crianças com SXF. No comportamento adaptativo, as crianças com SXF conseguem maior adaptação do que as crianças que apresentam duplo diagnóstico. Smith, Barker, Seltzer, Abbeduto, & Greenberg (2012) realizaram um estudo comparando adolescentes e adultos com autismo, síndrome do X Frágil e com ambas as perturbações, tendo verificado que ambos os grupos com SXF tendiam a apresentar comportamentos mais empáticos do que os que tinham apenas autismo, o que aponta para maiores competências sociais nas interações com outras pessoas e, consequentemente, melhor prognóstico em termos de estabilidade emocional, social e laboral. Há, no entanto estudos que, no sentido oposto, mostram que estes sujeitos têm um maior nível de problemas de comportamento e sintomas psicológicos na adolescência podendo necessitar de mais intervenção comportamental ou farmacológica nessa altura. 

Em suma, as crianças e jovens com SXF têm geralmente melhores resultados do que os que têm apenas Autismo no que se refere ao funcionamento intelectual, à discrepância entre as capacidades verbais e o desempenho não-verbal, consciência social e compreensão social. A ansiedade social parece ser a característica mais negativa e sobre a qual se desenvolvem os desafios no comportamento, embora exista boa competência para as expressões faciais e compreensão das emoções.

d) A Problemática do Diagnóstico


Como os sinais e sintomas da SXF podem ser semelhantes a outros casos de atraso ou perturbação global de desenvolvimento, é necessária a confirmação do diagnóstico através do exame genético, que é um dos mais solicitados entre os testes de pesquisa de doenças genéticas. As investigações mostram que um diagnóstico precoce possibilita uma melhor abordagem do tratamento que, iniciado cedo, tem grande influência no prognóstico permitindo uma melhor abordagem dos problemas relativos à compreensão da síndrome, nomeadamente face à grande variabilidade de fenótipo, às suas consequências  e sua propagação. As questões com o diagnóstico começam a levantar-se a partir do momento em que a família começa a ter preocupações relativamente ao desenvolvimento da criança. Os diferentes estudos internacionais apontam para que, em média, o diagnóstico só acontece cerca dos 35 meses, bem após as primeiras suspeitas da família, dependendo, no entanto, das características do atraso de desenvolvimento e, obviamente do contexto de cada país ou região. Existem ainda outras características da criança (como a severidade de atraso, o comportamento autista, o estilo de temperamento) e variáveis familiares (idade e escolaridade da mãe, a fratria, o apoio social) que também interferem neste processo de diagnóstico. Quase todos os estudos enfatizam a importância do diagnóstico precoce, para que as crianças e as famílias possam beneficiar dos apoios existentes e também de uma intervenção mais atempada, incluindo o aconselhamento genético já que o atraso no diagnóstico pode levar a gestações subsequentes, antes do SXF ter sido diagnosticado ao primeiro filho. As famílias também relatam que a morosidade do diagnóstico conduz a sentimentos de frustração. De uma forma geral o diagnóstico é determinante para a evolução do SXF, a todos os níveis, e defende-se, cada vez mais, no contexto norteamericano, um rastreio neonatal ou uma política de diagnóstico mais rápido. Olsson e Hwang (2001) referem-se também à forma de comunicar o diagnóstico e às perceções das famílias. Um conjunto mais vasto de artigos reforça a importância do diagnóstico e do seu impacto na família.

Fonte: Síndrome de X Frágil - pessoas, contextos & percursos. Vítor Franco (Organizador); Prefácio de Donald Bailey

Um comentário:

Karina Guia disse...

Bom dia!
Estou desenvolvendo meu tcc de psicopedagogia no qual farei uma abordagem com a pessoa com SXF, adorei o texto, contribuiu muito para que eu pudesse escrever.Tenho comentado muito sobre as semelhanças do TEA com SXF, é algo preocupante pois muitas vezes as famílias não possuem recursos para fazer uma investigação e caem na questão mais popular de diagnóstico "autismo", digo preocupante porque saber do laudo do meu filho me alertou para a possibilidade de futuros filhos com SXF e também com a situação dos familiares que pretendem ter filhos. O aconselhamento genético é muito importante para conseguirmos desenvolver uma espécie de rede para diagnósticos corretos, junto a eles as intervenções precoces que são fundamentais para o desenvolvimento humano.
O motivo pelo qual escolhi a síndrome é porque sou mãe de SXF hoje com 15 anos, faço um trabalho de inclusão das pessoas com deficiência no âmbito escolar.
Obrigada pela contribuição.
Karina (12) 997437362

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